Querido Peter,
Há quanto tempo você saiu de meus sonhos infantis? Não consigo determinar, mas, nesses últimos dias, tenho realmente sentido a sua falta.
Sabe, Peter, sou da geração Harry Potter. Muitas crianças da minha idade sonharam em receber a carta que as daria passagem para Hogwarts. Eu mesma sonhe com isto incontáveis vezes. Porém, abdicaria tudo se tivesse a chance de ir à Terra do Nunca. Eu desistiria de uma vida de magia e bruxaria se me houvesse a garantia de viver ao seu lado, de poder me aventurar com as fadas, com os piratas, com os índios, com as sereias e, claro, com os meninos perdidos. Talvez tal afirmação soe um tanto absurda, mas é isso mesmo: eu largaria qualquer coisa para poder viver ao seu lado na terra de eternas aventuras.
Sendo assim, mesmo com o desejo ardente de receber a dita carta, nunca a esperei. Ao contrário: ansiava pela sua visita. Deixei a janela de meu quarto aberta, sempre à sua espera. Acreditei em fadas mais do que na existência de anjos, e repetia isso como se fosse um mantra. Visualizei a Terra do Nunca em todas as suas cores e suas magias. Mas sabe o que é ruim, Peter? Você nunca veio.
Minha dedicação e meu amor jamais foram suficientes para você. Sei que a Wendy lhe tem uma importância infinitas vezes maior, mas, ainda assim, éramos iguais em quase tudo, caro Peter. Como ela, relatei sua suas histórias com a mesma intensidade, acreditava piamente em sua existência do mesmo modo que a primogênita Darling. Mas, ainda assim, não adiantou. Torno a repetir; você nunca veio.
As ínfimas esperança que eu ainda alimentava foram desaparecendo com o decorrer dos anos. E o inevitável aconteceu, querido Peter: eu cresci. Entrei pesadamente no mundo dos adultos e em suas vidas predominantemente preto e branco, desprovidas das doces e delicadas aquarelas da infância. Digamos que essa dolorosa inserção me fizera jogá-lo em um baú de memórias arcaicas, todas longínquas demais para que eu possa alcança-las. E então, estimado Peter, você se tornou parte desse enfurnado de memórias, esse cemitério escuro e silencioso de lembranças.
Mas as coisas não poderiam ficar piores. A vida matou alguns dos belos momentos de minha saudosa infância. As recordações restantes são tão poucas e tão enegrecidas que se torna complicado analisa-las. Porém, fique tranquilo, pois as que restaram sempre me remetem a você e a toda beleza que mina imaginação me proporcionou – visto que, com a sua inegável ausência, restou-me apenas minhas ideias e meus sonhos como substância vital e necessária para te materializar. Só assim, adorado Peter, saciei a minha necessidade de aventuras. Só assim, aquela garotinha quase sem amigos sanou sua solidão.
Eu sei, meu amado, as irredutíveis perguntas que estão passando por sua cabecinha eternamente juvenil. Consigo premeditar cada palavrinha que se une nesses questionamentos injustos que tem a me fazer: por quê? Oh, Peter, são tantos porquês... Por que lhe remeto esta carta, por que matei meus doces sonhos infantis, por que cresci...? Infelizmente, não deu para fazer o mesmo que você fez, amado menino. Não tive a capacidade de parar o meu relógio, não consegui estacionar minha vida na minha infância. E esse cotidiano cruel de “adulto” acabou por me fazer esquecer os desejos de outrora. Os acontecimentos diários me fizeram velar aqueles tempos dourados de criança. Não há nada pior do que crescer, Peter. Tampouco ser desiludida, trocada, traída, enganada... É, é... Vida de adulto não é fácil, meu querido. É tão dura e triste que, às vezes, tento superar os obstáculos que me separam das minhas memórias longínquas – as mesmas em que você descansa, adormecido, esquecido de suas lutas fatais contra o temível Capitão Gancho. E são essas visitas, Peter, que me fazem escrever cartas como essa.
Ah... Já sei o que sua jovem mente confusa quer saber dessa vez... O que é isso que eu sinto? É bem simples, meu bom rapaz: saudades. Saudades de um tempo que nunca voltará.
Querido, sinto que devo encerrar este escrito aqui. As obrigações de uma adulta me chamam. Mas, não se preocupe. Se essas poucas palavras o comoveram e o incitaram a finalmente me procurar, fique tranquilo: as janelas do meu quarto continuam abertas.
Com amor,
Da garota que nunca quis crescer, mas precisou.
Ainda não estou em condições de voltar totalmente aos blogs, amados. Porém, como tive um pequeno tempo livre, aproveitei para vir aqui postar esse mini conto que fiz às pressas. Creio que, vez ou outra, postarei as tentativas de contos que faço. Espero que gostem.
Abraços!
Kami
(ps - A razão pela qual escolhi o Peter Pan é bem simples: ele era a minha paixão de infância. E eu ainda sonho em conhecer a Terra do Nunca. Quem sabe eu não consigo um dia, não é?)